quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um cacho

Naquela manhã, o sol dourou e corderrosou os céus de Nisa muito cedo,
despertando Dionisos,
que ainda estremunhado pelo frio da noite,  foi obrigado a se levantar.

As cabritas já se movimentavam fora da gruta
e ele não podia deixá-las pastando sem a atenção do seu olhar.

Ele caminhou, seguindo seu rebanho, por várias horas,
somente parando aqui e acolá para
beber de um ribeiro ligeirinho que serpenteava pela pradaria.

Era o filho muito amado de Zeus
Dionisos era um belo exemplar de deus,
que sentia enorme prazer em cumprir as funções corriqueiras,

cuidando de suas cabras,
colhendo o leite para o queijo generoso e macio,
cabeceando com as crias mais buliçosas,
cuidando para que nenhuma se encalacrasse
em qualquer greta no pasto,
ou se enredasse nalgum espinheiro.

Ria das brincadeiras que elas faziam entre si,
enternecia-se com os cuidados
que as mães ofereciam aos filhinhos,
identificava~se com os bodes grandes
e fogosos na época da cruza.

Aquela manhã quente no entanto estava esgotando seu entusiamo.

Quando o sol ia a pino as cabras buscaram sombras de árvores
depois de sorver longamente a água fresca do regato.

Dionisos aproveitou esse aquietamento e procurou um lugar,
ele também, para fugir da inclemência calorenta de Phebo,
que brilhava. absoluto.

Olhou à roda e numa elevação do campo, junto de algumas árvores,
Dionisos percebeu um convidativo caramanchão sombreando a relva verdejante.

Quando se aproximou viu que
sarmentos lançavam a vide a se espalhar nos olmos.*

Escolheu aquele recanto pra fazer a sesta.

Abaixou-se pra entrar no ensombrado nicho e aspirou um perfume delicioso
que não sabia de onde vinha, que desejava tivesse substância pra que ele pudesse tocar e ver

O que cheirava daquele jeito devia ter maravilhosa forma,
consistência agradável,
cor deslumbrante,
textura de sonho...

Dionisos olhou, vasculhou o solo com o pé,
arrepanhou as folhas irregulares que pendiam dos ramos,
examinou as garrinhas em espiral que se enroscavam
nos troncos dos olmos e na encosta da colina.

Não achou nada que explicasse o aroma
e na frescura da folhagem  que o protegia
ele se deitou na relva.

Dionisos estava molinho e quase adormecido quando Phebo enviou-lhe
raios que se filtraram na ramagem
e foi aí que ele viu, brilhando, rosado, lindo e suculento,
um cacho enorme de uvas...

Ele era bem jovenzinho,
na fase das descobertas, quando a beleza compõe
a codificação dos valores.
Ficou deslumbrado com aquela visão

Ele ergueu o tronco e apoiado-se sobre o cotovelo,
estendeu o outro braço; envolvendo com a mão aquela
maravilhosa  pirâmide rósea iluminada pelo bruxuleio da luz
filtrada pelas ramas.

Calculou mal a força que devia fazer pra arrancar do caule
o cacho de cheirosos, suaves bagos suculentos.
As uvas se romperam e o sumo lhe escorreu pelo lindo braço forte.
Ele sorveu aquele suco, que lhe soube divino.

Dionisos acabava de inventar o vinho...

* Eu usei uma frase de um poema que conta a lenda de Filomela,
daquele maravilhoso tradutor adrede citado.

                                          Foi assim...                     até já!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Oh,oh,oh e uma garrafa de run

E veio o véio Zé de guerra...

Claro! Chegou às onze e pouco,
muito além do horário em que era esperado.

Apanhou as sacas de livros
e jogou no cangote cada uma delas.

Foi lampeirinho levar prá escolher, separar, entesourar.
Parecia mesmo um pirata e sua arca.

Ele adora roupas. Fica com todas. Usa todas.
Especialmente as que ficam bem largas.
E meias. Ele as prefere escuras e bem longas e usa com bermudas.

O que ele considera vendável ele leva prum sebo aqui perto.

Papéis, velhos cadernos e quejandos ele vende por peso,
pro sucateiro da esquina da rua Emboabas.

Quando o fígado dele não está tão curtido ele entra em parafuso.

Ele pede cachaça prá Célia, ele me pede doces
e nem a brama gelada dá conta de acalmá-lo.

Ele fala sozinho num monólogo cheio de exclamações e intenções,
enquanto carrega areia, cimento, livros ensacados, pedras...

Ele precisa fazer muita força.

É necessário muito cansaço pra suportar
seus desvairios, a solidão,
a faina, o destino e a abstenção...

É indispensável muita bravura pra aguentar-se sóbrio.

                            Até já!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

scuta Zé!

Hoje o Zé não veio. Ele faz assim.

Ele é o último bastião da liberdade num mundo institucionalizado.

Sempre lhe cabe a última palavra em acertos de horários a cumprir e que, mesmo depois de concordados.ele descumpre ao seu bel prazer, numa declaração de independencia que não admite retruque ou retoques.

"Oh! Zé? ce sabia que eu tinha cinco pilhas de livros pra tirar da passagem hoje!?"

Muito educadamente, ele reponde com voz de trovoada:
" É, mas eu não vou!"

"Oh Zé, mas nem pra retirar aqueles livros? Só pra gente poder caminhar por ali!"

" Não Sra, Dona, hoje eu não quero ir não! sexta-feira eu vou."
Olhando no fundo dos seus olhos com franca e obstinada decisão.

E você do alto dos seus muitos conhecimentos de comportamento humano,
(em grupo e no individual) sem entender nada,
não vê outra alternativa senão esperar pela sexta-feira

que permanece uma incógnita no quesito
 dará o Zé o ar da graça?

                                              até já!   (ou até sexta.)

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Zé

Boemia aqui me tens de regresso!

Porque quem tem um Zé por perto tem sua energia minada
até a mais completa exaustão,
o blog largado às suas próprias penas, confirma o que eu digo.

A Fal testemunha, dia a dia, hora a hora, minhas exortações ao trabalho
dirigidas ao valoroso Zé.
Bondoso até o último fio de cabelo. Forte.
Obediente e gentil como só alunos primeiros da classe costumam ser
mas confuso; como ele é atrapalhado!

Ele precisa de uma organização específica:.
encosta tudo na parede, depois,
forma fileiras progressivas e afastadas. Como pinos de boliche...

Mas ele é forte!
Meninos, ele carrega uma saca de livros, cheia até a boca,
como quem leva um travesseiro de plumas...
e isso por uma quadra, das antigas, de ladeira íngreme.

Porque quem tem um Zé por perto, tem sua energia exaurida
até a mais completa extinção...

Não o Zé!
Ele não se desmancha nunca.
Ele não desmorona jamais...

Ele é uma alegoria deambulante do Brasil.

                                                                   Até já!

domingo, 11 de setembro de 2011

Preguiça

Considerada um dos vícios capitais, a preguiça é uma conduta a ser combatida.

Atitude é a disposição para determinado comportamento; conduta é levar uma disposição à prática.

A preguiça é vista como um traço negativo da personalidade;
maldição genética na herança do vivente.
Entre atenienses, espartanos, gregos, troianos
e romanos, godos, visigodos, ostrogodos e outros godos,
a atividade produtiva fazia parte do código de boa conduta.

Estar envolvido em ações práticas ou contemplativas era inerente ao fato de estar vivo.

Na idade média o dolce far niente,
é proposto aos bem nascidos como direito inalienável da aristocracia.

O sujeito que nasce duque,marquês, conde, visconde...
não deve trabalhar sob pena de ficar mal visto,
tanto pelos seus pares quanto pelos súditos.

Essa é a atitude geral e a conduta particular, até os primordios do século vinte.
Ser nobre é ser desocupado.

São Tomás de Aquino considera a preguiça uma virtude,
para ele, ser capaz de ficar sem fazer nada
é também uma forma de honrar a Deus.

Hoje eu seria a mais virtuosa das damas da paróquia de São Tomás.

                                                Até já...